Reportagem: Plano Certeiro

Por: Eloisa Medeiros

Revista: Construção & Mercado – 85 – Agosto / 2008

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Conheça as principais metodologias de planejamento de obras e saiba como elas estão sendo aplicadas em construtoras de todos os portes

Em tempos de acirramento da concorrência, prazos apertados e encarecimento da mão-de-obra, o planejamento ganha ainda mais importância para garantir obras produtivas, com qualidade e entregues no prazo. Disseminado principalmente nas grandes e médias empresas, ainda falta, no entanto, alcançar um contingente maior de pequenas construtoras. No entanto, esse quadro tende a mudar. “Com o crescimento do mercado e o aumento do número de obras, as construtoras já perceberam a importância do planejamento de obras”, declara Márcia Menezes dos Santos, diretora técnica da Unidade de Projetos Especiais do CTE (Centro de Tecnologia de Edificações).

O planejamento inclui plano diretor de toda a obra (longo prazo), e também estudos de médio e curto prazo, focando as metas da equipe e programações diárias por pavimento. Engloba, também, o planejamento de contratações de mão-de-obra e de custos e orçamento. Com tudo isso equacionado e amarrado, as probabilidades de ocorrerem erros, retrabalhos, desperdícios e atrasos ficam reduzidas.

Para auxiliar nessa tarefa, o mercado dispõe de conceitos e filosofias mais gerais, metodologias para implantação de etapas, ferramentas de planejamento e também softwares que ajudam a quantificar e a “enxergar” problemas e soluções. São camadas de conhecimentos que podem ser combinadas pelas construtoras, de acordo com a sua cultura empresarial e a especificidade e porte de cada obra. Entre as filosofias, metodologias e ferramentas estão: PDCA (planejar/desempenhar/controlar/agir), LOB (linha de balanço), EAP (Estrutura Analítica do Projeto), Last Planner, Método do Valor Agregado e Caminho Crítico, lean thinking (filosofia da mentalidade enxuta), Pert/CPM (Técnica de Avaliação e Revisão de Projetos/Método do Caminho Crítico), entre outras.

Márcia explica que o que varia entre as empresas é o grau de detalhamento do planejamento, que é maior naquelas que têm uma área de planejamento bem estruturada ou que terceirizam tal atividade. “As demais, em geral, atribuem tal função à equipe de engenharia da obra, que, muitas vezes, não tem possibilidade de cobrir todas as minúcias”, constata.

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Etapas

Teste

Erros no planejamento de campo levam ao descrédito do cronograma, tendo conseqüências na produtividade e motivação das equipes.

A elaboração do planejamento não só é um meio eficaz para melhorar a produtividade e evitar perdas, mas também uma necessidade para a sobrevivência das construtoras, acredita Márcia. “A situação atual é extremamente crítica: alia processos construtivos convencionais, prazos de obras cada vez menores, engenheiros residentes cada vez mais jovens, sem falar da possibilidade iminente de escassez de material no mercado”, descreve. Então, como garantir a entrega da obra no prazo, custo e qualidade desejados? Para isso, o planejamento deve ser cada vez mais antecipado, a fim de evitar paradas na obra, devido à falta de materiais, equipamentos e mão-de-obra.

Segundo o consultor Aldo Dórea Mattos, o planejamento de obra deve ser um processo contínuo. Começa com a delimitação do escopo, ou seja, com a definição do que realmente integra a obra. “Parece lógico, mas não é. Numa obra de estrada, por exemplo, o planejador pode se esquecer de incluir a recuperação de um talude, ou a melhoria de um acesso local, e isso trará interrupção lá na frente. Por isso, a melhor maneira de tratar o escopo é construir uma EAP (Estrutura Analítica do Projeto), uma ‘árvore genealógica’ da obra, em que a cada nível os pacotes de trabalho vão sendo desdobrados em pacotes menores, até que se chegue a atividades simples, individualizadas, mais fáceis de serem mensuradas, delegadas e aferidas”, esclarece Mattos.

Feito isso, passa-se ao cálculo das durações das atividades. Para Mattos, é intuitivo notar a relação intrínseca entre duração e produtividade. Cabe então ao planejador investigar as produtividades usadas durante a orçamentação da obra. “Nessa etapa é preciso tomar cuidado, pois é muito comum que o planejamento traga premissas completamente distintas das usadas no orçamento, o que abre uma brecha para o não-cumprimento”, explica.

O passo seguinte é montar a seqüência executiva. As atividades vão sendo unidas para que o cronograma espelhe uma lógica construtiva coerente com o que vai ser feito no campo. “Um erro corriqueiro é o planejador não envolver as equipes de campo e montar o cronograma com a sua seqüência. Basta o pessoal de campo perceber que o planejamento não segue o que eles têm em mente, para deixarem de acreditar em cronograma e planejamento.”

Controle de custos

Desde a estabilização da economia, existe uma preocupação das construtoras em minimizar as perdas em todos os níveis. Por isso, de acordo com o consultor Pedro Antônio Badra, da SBD (Sistemática Badra de Dados & Associados), qualquer ferramenta para controlar custos tem chamado a atenção dos executivos do setor. Mas, segundo ele, a abrangência do planejamento deve ser mais ampla, começando pelos projetos, passando por quantitativos, pela forma de tocar as obras (composições de preços unitários), compras de insumos programadas, riscos administrados, controles de custo em sintonia com controles financeiros e tempos baseados na produtividade das equipes de obras. “Esses conjuntos de ações resumidas em um diagrama definem um planejamento sustentável”, ressalta.

Segundo Badra, essas premissas são indispensáveis, pois todas as atividades-meio devem contribuir para que o produto da construção civil, a obra pronta, saia dentro das especificações técnicas e econômicas. “Se as atividades-meio forem suficientes e eficientes, haverá melhorias de produtividade, competitividade e redução de perdas”, pondera Badra.

“Mas, será que só o departamento de planejamento é suficiente?”, questiona Badra. Para ele, o planejamento une os elos da cadeia de informações. “Se os demais departamentos não estiverem afinados, o planejamento estará sempre emitindo cronogramas que serão mudados.” A tendência atual é de informações possíveis e confiáveis quase em tempo real, tanto dos projetos, como das condições físicas das obras, e das financeiras. Todos são “inputs” de planejamento. “Deixamos a era dos cronogramas estáticos. Hoje, com as ferramentas atuais de TI, temos condição de elaborar cronogramas dinâmicos com resultados, se não diários, com certeza, semanais”, analisa Badra.

Processo decisório

Com o aumento da competição no mercado da construção civil, não só as empresas de grande porte ou as mais estruturadas têm demonstrado interesse na melhoria de seus processos de planejamento e controle de obras. Segundo o professor Maurício Moreira e Silva Bernardes, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), as micro e pequenas empresas estão investindo nessa área. “Algumas capacitam seu quadro técnico em planejamento e controle, por meio de cursos de extensão, especialização ou, até mesmo, com mestrados profissionalizantes”, esclarece. Algumas empresas, independentemente do porte, estão realizando parcerias com universidades e centros de pesquisas. “Contudo, a absorção de metodologias e ferramentas deve ser bem planejada e estruturada”, adverte.

Bernardes descreve o planejamento de obras como um processo decisório. “Nesse processo, diversas restrições devem ser antecipadas, de forma a possibilitar um fluxo de trabalho ininterrupto no canteiro de obras.” Assim, o planejamento deve ser hierarquizado e dividido em longo, médio e curto prazos. “Cada um deles tem um grau de detalhamento específico, importante para visualizar melhor os problemas que, em uma situação muito agregada, ficariam escondidos”, explica Bernardes. Todas as atividades planejadas devem atentar à busca incessante do cumprimento dos custos, do prazo e da qualidade estabelecida no plano estratégico do empreendimento.

Ele explica que no longo prazo deve-se identificar a lógica pela qual o empreendimento será construído. Como, quando, por quê, quem e quais custos devem ser levantados. No médio prazo deve-se identificar e remover restrições, definidas como qualquer elemento (informação, recurso ou atividade) que pode causar interferência no ambiente produtivo. “O gerente da obra deve sempre identificar restrições e removê-las no prazo adequado”, recomenda. E destaca que o processo de planejamento não deve existir sem o processo de controle. “Não adianta planejar se você não vai controlar.”

Métodos e ferramentas

Embora haja pouca novidade em termos de métodos de planejamento na construção civil, o consultor Aldo Dórea afirma que a técnica Pert/CPM, que está completando 50 anos, não dá sinal de envelhecimento, por se basear em passos intuitivos e de simples entendimento. “É essa teoria que está subjacente nos principais softwares de planejamento”, define. E explica que, há algum tempo, vêm surgindo desdobramentos do Pert/CPM, como o método da corrente crítica, que preconiza que as durações das tarefas devem ser enxutas, sem as tradicionais “gorduras” de prazos. Para criar segurança quanto ao prazo, são adicionados buffers (“pulmões”) de tempo em alguns pontos da rede. “Além disso, a corrente crítica estabelece que a alocação de recursos tem de ser feita obrigatoriamente durante a montagem da rede, porque a restrição de recursos (mão-de-obra, equipamentos) pode imperar na determinação do prazo de conclusão da obra”, lembra.

Para Bernardes, os sistemas de planejamento utilizados na construção são importados da indústria. Ele acredita que os centros de pesquisa devem propor novas técnicas, mais adequadas à construção civil. Por exemplo, nas redes CPM, o método do caminho crítico foi desenvolvido pela Du Pont para a indústria em geral, diferente das especificidades da construção, que possui um ambiente incerto e variável. “Mas nossa urgência é tão grande que ainda continuaremos utilizando, até que surja algo melhor”, afirma. Ele lembra ainda que o cronograma de barras ou diagrama de Gantt é o sistema mais antigo. Foi desenvolvido por Henry Laurence Gantt no início de 1900, e é uma das primeiras técnicas para gestão de projetos. Depois disso, vieram o CPM, o Pert, linha de balanço (ou tempo caminho) e, na década de 90, o sistema Last Planner.

No entanto, Bernardes alerta que é necessário ter consciência clara da importância de cada ferramenta e seu efeito na obra. “Não se pode usar só porque alguém disse que era boa ou algum consultor mandou aplicar.” A empresa deve levar em consideração o tipo de obra quando utilizar uma determinada técnica. “A linha de balanço, por exemplo, é uma técnica boa para empreendimentos repetitivos (condomínios compostos por casas, prédios altos com vários pavimentos-tipo). Se for aplicada na construção de um pavilhão industrial, cujo projeto não possua repetitividade, talvez o esforço não valha a pena. Melhor aplicar uma rede CPM”, pondera.

Para ele, o mais importante, no entanto, antes da escolha de ferramentas e metodologias de planejamento, é reestruturar as atividades de trabalho do gerente de obras. Se o empresário acha que o gerente da obra é um “faz-tudo”, que deve se responsabilizar pela compra do material, controle, recebimento, cotações, dentre outras atividades, o processo de planejamento não será desenvolvido corretamente. “Esse profissional acaba tendo muitas e diferentes atribuições. Em uma situação onde todas as atividades são prioritárias e não existem recursos humanos suficientes para realizá-las, será muito difícil atingir as metas acordadas”, adverte.

Gestão da Produção na Rossi

A incorporadora Rossi Residencial implantou no Villa Flora, condomínio de cinco mil unidades na cidade de Campinas (SP), um programa de gestão da produção que já vem apresentando bons resultados. Para a implantação, a empresa contou com a parceria do Norie (Núcleo Orientado para a Inovação na Edificação), da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

A Rossi adotou o planejamento de longo, médio e curto prazos. O de longo prazo é o objetivo final, a conclusão das obras. No de médio prazo, considerado com o intervalo de três meses, revisados mensalmente, a construtora emprega a análise de restrição IRR (Índice de Remoção de Restrições). No curto prazo, as ações são semanais, com um quadro de acompanhamento. Assim, a área de Planejamento da Rossi participa e controla cada fase das obras e “cobra” as ações necessárias para evitar interrupções.

No início de cada semana são realizadas reuniões com as equipes e empreiteiros, para analisar as tarefas cumpridas na semana anterior, com coleta de informações baseadas no PPC (Percentual de Programação Concluída), com comparação do que foi combinado e o efetivamente realizado. “Elaboramos um gráfico, que fica exposto no refeitório da obra, que espelha esse levantamento. Ao mesmo tempo em que expõe as metas cumpridas e não cumpridas, ele acaba motivando a equipe e os empreiteiros das várias frentes de obra”, explica a engenheira Simone Frizzarin, gerente de Planejamento da Rossi.A equipe do Norie realiza palestras em módulos para os funcionários envolvidos em cada etapa e também visitas às obras para verificar e medir as ações propostas. Segundo Simone, com isso o processo de produção fica mais fácil de ser compreendido, e as ações corretivas podem ser implementadas rapidamente, inclusive com datas para a remoção das restrições. “Outro foco é remover as atividades que não agregam valor, principalmente o retrabalho. Conseguimos, com a Linha de Balanço, analisar e identificar a ociosidade da mão-de-obra e realocar os operários para outras frentes de trabalho. Além disso, distribuir materiais e insumos de maneira mais eficiente, para que não haja interrupção nos serviços”, conta.A Rossi utiliza o SAP, software de gestão para o qual transfere todos os inputs das ferramentas, como a Linha de Balanço, diagrama de barras, Pert, entre outros. Até agora, o modelo adotado de gestão da produção, implantado pelo Norie, está presente na obra de Campinas e também nas do Rio Grande do Sul. Mas a empresa pretende expandir o sistema para todas as suas regionais e para a matriz, em São Paulo.

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